Securitização garante recursos para setor imobiliário

A pandemia da Covid-19 trouxe grande impacto para diversos setores da economia, e não foi diferente com o imobiliário. Apesar de o crédito nas instituições financeiras ter ficado mais restrito, o funding para o setor via mercado de capitais continua disponível. Neste cenário, a securitização aparece como uma importante opção de financiamento para os empreendedores darem andamento a projetos novos ou já em construção. Além de atender setores mais tradicionais,  como incorporações, lajes corporativas, built-to-suit (BTS), entre outros, a securitização é o principal modelo de crédito disponível para setores desatendidos pelo mercado tradicional bancário, como loteamentos e resorts em multipropriedade.

O processo de securitização é bem simples e está se consolidando no País como uma alternativa para investimentos nos setores imobiliário e do agronegócio, com os chamados Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI) e Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA). Diferentemente do que muitos pensam, essa modalidade se adéqua a empresas de todos os tamanhos e regiões. Operações acima de R$ 3 milhões já começam a fazer sentido e podem ser atendidas por esse modelo.

A modalidade, criada nos Estados Unidos, chegou no Brasil em 1997. Funciona assim: um empreendedor tem um projeto para um condomínio residencial, por exemplo, que terá as unidades vendidas e retorno financeiro a longo prazo, mas não tem recursos suficientes para concluir suas obras. Recorre, então, a uma securitizadora, instituição especializada e autorizada por órgãos reguladores que capta o valor que o empreendedor precisa para tocar seu projeto com investidores no mercado de capitais. Todos os meses, parte do que é pago pelos compradores dos apartamentos é destinada ao pagamento dos investidores. O excedente é devolvido ao empreendedor, além de funcionar como um mecanismo de segurança caso aconteçam distratos ou outros imprevistos. Este excedente, inclusive, garante que a operação continue funcionando bem mesmo em períodos delicados como o que estamos passando.

Para o investidor, é uma maneira de diversificar os riscos de um investimento financeiro, já que se trata de uma carteira pulverizada.

Entre as vantagens, está a possibilidade de o empreendedor levantar recursos com um prazo de pagamento que se adéqua ao fluxo de recebíveis do projeto. Outro benefício importante é receber os recursos em tranches, ocasião em que o empreendedor os recebe conforme o andamento da obra e, portanto, paga juros somente sobre o montante que foi disponibilizado para aquela fase do projeto. Isso garante o pagamento de parcelas menores que as habitualmente cobradas em estruturas em que o valor total é disponibilizado desde o início da operação, o que é visto em operações mais tradicionais do mercado de capitais.

Antes de fazer a captação dos valores no mercado, é necessário que a securitizadora avalie quais são as necessidades do empreendedor, traçando uma estratégia adequada para o projeto específico. Cada operação é avaliada individualmente para atender ao projeto do cliente.

Novo Marco Legal do Saneamento Básico

O texto do novo marco legal do saneamento básico foi aprovado pelo Senado e agora segue para sanção do Presidente da República. 

 

Principais pontos:

  • Meta de 99% da população com água potável em casa até dezembro de 2033
  • Meta de 90% da população com coleta e tratamento de esgoto até dezembro de 2033
  • Ações para diminuição do desperdício de água aproveitamento da água da chuva
  • Estímulo de investimento privado através de licitação entre empresas públicas e privadas
  • Fim do direito de preferência a empresas estaduais
  • Se as metas não forem cumpridas, empresas podem perder o direito de executar o serviço.

De acordo com o Ministério da Economia, o novo marco legal do saneamento deve alcançar mais de 700 bilhões de reais em investimentos e gerar por volta de 700 mil empregos no país nos próximos 14 anos.

Panorama geral hoje:

  • Apenas 6% da rede de água e esgoto é gerida por empresas privadas
  • Estudos estimam que seriam necessários 500 bilhões de reais em investimentos para que o saneamento chegasse a toda a população
  • 15 mil mortes e 350 mil internações por ano em decorrência da falta de saneamento básico
  • 104 milhões de pessoas (quase metade da população) não têm acesso a coleta de esgoto
  • 35 milhões de brasileiros não têm acesso a água potável

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Uma nova ação de despejo a cada 22 minutos durante pandemia do coronavírus

O Tribunal de Justiça de São Paulo registrou 4.018 ações de despejo liminar protocoladas nos dois primeiros meses de pandemia, segundo dados da Lei de Acesso à Informação (LAI). O período analisado vai de 20 de março, semana em que foi decretada calamidade pública para enfrentamento da pandemia no Estado, até 20 de maio deste ano. As principais motivações foram a falta de pagamento e a falta de pagamento cumulado com cobrança.

Apesar do número total de ações de despejo protocoladas ser 31% inferior ao observado no mesmo período de 2019, quando 5.832 ações do mesmo caráter foram registradas, o despejo de famílias durante a pandemia do coronavírus levanta preocupações.

Os despejos são mais uma faceta do fracasso do plano de ação brasileiro ao enfrentamento da emergência sanitária. Não houve clemência dos poderes políticos constituídos e do sistema econômico como um todo para com a população.

O poder público e o sistema financeiro deveriam ter se unido nesse momento de crise, garantindo um “aparato de socorro” multilateral para a sociedade. Ao despejar as pessoas liminarmente, existe um agravamento da situação daquela família e não se resolve o problema do proprietário que precisa daquele dinheiro para sobreviver.

Em abril, começou a tramitar no Congresso uma proposta que poderia reverter este cenário. De autoria do senador Antonio Anastasia (PSD/MG), o Projeto de Lei 1179/2020 prevê a flexibilização de algumas leis do direito privado, estabelecendo um regime jurídico emergencial por conta da pandemia. O texto inicial, entre outros itens, visava impedir a concessão de liminares de desocupação de imóveis urbanos até 30 de outubro.

No começo de junho, entretanto, Bolsonaro vetou trechos do texto, incluindo o que tratava das ações de despejo. Na mesma ocasião, foram vetados também os artigos que permitiam aos síndicos de condomínios restringir a utilização de áreas comuns.

Três meses depois do início da pandemia, ainda estão sendo avaliadas no Legislativo outras propostas que visam à proteção dos locatários durante a crise, como o Projeto de Lei 1112/2020, de autoria dos deputados Marcelo Freixo (PSOL/RJ) e Túlio Gadêlha (PDT/PE). Se aprovada, a medida suspende o cumprimento dos mandados de despejo referentes a imóveis residenciais, além de instituir direito a descontos no valor do aluguel em alguns casos.

Essas medidas precisam pensar na proteção não apenas dos inquilinos, mas também dos proprietários dos imóveis. Nossas políticas colocaram vítima contra vítima. Colocaram o dono da casa, que de modo geral depende vitalmente daquele aluguel, contra o inquilino que está passando por momentos difíceis em função da pandemia. Ambos são vítimas de uma circunstância emergencial inesperada.

Março foi o mês com o maior número de ações de despejo deferidas, conforme indica o levantamento. No total, foram 1.398 pedidos deferidos em diferentes níveis, sendo 1096 referentes a despejo por falta de pagamento cumulado com cobrança, 218 a despejo por falta de pagamento e 84 a despejo. Nos casos em que o proprietário ingressa com uma ação desse tipo em caráter liminar, o inquilino tem 15 dias para quitar a dívida ou pode ser despejado.

Planejamento Sucessório (Holding Familiar)

A palavra HOLDING vem do verbo inglês “to hold”, que significa manter.

Sendo assim, Holding é o tipo de organização que permite que uma empresa e seus diretores controlem ou exerçam influência em outras empresas (subsidiárias). 

São vários os tipos de Holding, mas no que tange ao Planejamento Sucessório, abordaremos uma em especial: a HOLDING FAMILIAR.

No que diz respeito à administração, ao funcionamento, e outros aspectos, cabe à Holding (enquanto pessoa jurídica e sócia majoritária de outras empresas da família) tomar as decisões.

Quanto à sua constituição, a Holding Familiar costuma ser uma sociedade limitada e pode ser classificada como pura ou mista:

  • Holding Familiar Pura é criada para ser somente a controladora. Isso significa que seu objetivo social será o da administração de bens e sociedade.
  • Holding Familiar Mista é também a controladora, mas adicionalmente exerce exploração de outras atividades empresariais.

Dentre os seus PRINCIPAIS OBJETIVOS estão:

  • Planejamento Financeiro;
  • Planejamento Tributário;
  • Blindagem patrimonial; e
  • Planejamento sucessório.

Ao entender os objetivos de uma Holding Familiar, passamos a compreender também os seus PRINCIPAIS BENEFÍCIOS, como por exemplo:

  • Redução da carga tributária incidente sobre os rendimentos da pessoa física (IRPF);
  • Evitar conflitos no planejamento sucessório;
  • Retorno de capital sob a forma de lucros e dividendos sem tributação;
  • Resguarda do patrimônio, tendo em vista que problemas de sucessão patrimonial são solucionados;
  • Preservação do patrimônio pessoal perante credores de uma empresa da qual a pessoa física participe como sócio ou acionista;
  • Proteção do patrimônio pessoal e empresarial;
  • Maior poder de negociação na obtenção de recursos financeiros e nos negócios com terceiro; e
  • Centralização do patrimônio familiar, o que facilita a gestão coletiva.

E por que é necessária tal preocupação?

Em meio a atual pandemia mundial provocada pelo novo coronavírus (Covid-19) e a necessidade do Governo em obter recursos para superar as dificuldades enfrentadas, antigos anseios por reforma tributária no Brasil voltam à tona.

Atualmente tramitam 4 diferentes PLP’s (Projeto de Lei Complementar) de iniciativa do Senado Federal que tratam da questão, são eles: os projetos nº 50/2020; 38/2020; 183/2019 e 315/2015.

O que dizem as leis?

Estes projetos de lei visam instituir o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), que até hoje não foi regulamentado, ou seja, uma potencial fonte de arrecadação para o país.

Resumidamente o texto apresentado propõe a taxação de 1% sobre as fortunas acima de 50 milhões ou a instituição de alíquotas progressivas entre 0,5% e 1% dos patrimônios acima de 12 mil vezes o limite de isenção do imposto de renda, o que equivaleria a uma base de cálculo de aproximadamente 22 milhões de reais nos dias de hoje.

Há ainda projeto que propõe a taxação de 0,5% às fortunas maiores que 50 mil salários mínimos, enquanto durar o estado de calamidade decretado em virtude do coronavírus.

No entanto, cabe ressaltar que o IGF nos projetos citados, entrariam em vigência somente a partir do próximo ano. 

Além do IGF, há também a pretensão de majorar o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), que incide sobre bens por herança e doação, aumentando ainda mais a carga tributária.

Ressaltando que, atualmente, a alíquota máxima do ITCMD é de 8% e a pretensão é de majoração para 20% sobre o valor do patrimônio que é transmitido, sendo esta possibilidade mais uma forte indicação para a reorganização patrimonial.

O Planejamento Sucessório executado antes de eventual alteração da alíquota do ITCMD, pode garantir que a majoração não prejudicará a pessoa que fez o planejamento, além de outros benefícios, como a economia de custos futuros, mitigando consideravelmente a desarmonia familiar e protegendo o patrimônio, além é claro, de garantir a vontade do titular dos bens e ativos.

Contrato de Gaveta

O que vem a ser o famoso “Contrato de Gaveta”?

Trata-se de um documento particular (muitas vezes com firma reconhecida) que fica, como bem o nome aponta, na gaveta, ou seja, não é levado a registro.

Mas por que uma pessoa compraria um bem valioso e não o registraria? Quais seriam os benefícios? Há malefícios?

Como nossos avós já diziam: “só é dono quem registra!”

E, sim, o ditado popular tem toda a razão de o ser, como bem o estipula o artigo 1.245 do Código Civil.

Ocorre que não raras vezes, a pessoa não leva o bem a registro para tentar se esquivar de pagar impostos, taxas e emolumentos cartoriais.

Seria este um benefício? Não, não é!

Deixar de registrar um bem no nome do adquirente pode implicar em dissabores de várias matizes, como, por exemplo, não poder se apresentar como real proprietário, impossibilidade de apresentar o bem em garantia em operações financeiras, problemas para os herdeiros operacionalizarem o inventário, devendo registrar o bem durante o procedimento, o que aumentará os gastos, além de eventualmente estar cometendo ou contribuindo para crimes fiscais e até mesmo ocultação de patrimônio.

Então, seja você vendedor ou comprador, o melhor caminho na compra e venda de imóvel é o da legalidade, levando o bem a registro, pagando todos os impostos e sendo, de fato e de direito, o real proprietário do imóvel.

Proibição de despejo durante pandemia

O Projeto de Lei 1179/20, do Senado, foi aprovado no Congresso Nacional e aguarda sanção presidencial. Ele cria regras transitórias para as relações jurídicas privadas durante a pandemia.
Entre as mudanças propostas, está a suspensão, até o dia 30 de outubro deste ano, de liminares para despejo de inquilinos por atraso de aluguel.

A suspensão abrange os imóveis urbanos (comerciais e residenciais) e atinge todas as ações ajuizadas a partir de 20 de março, data em que foi publicado o decreto legislativo que reconheceu o estado de calamidade no País.
Também até o dia 30 de outubro, ficam suspensos os prazos de aquisição de propriedade mobiliária ou imobiliária por meio de usucapião.

Condomínios

O PL também prevê mudanças relacionadas a condomínios. O síndico terá poderes para restringir o uso de áreas comuns e limitar ou proibir a realização de reuniões, festas e o uso do estacionamento por terceiros. Não se aplicam as restrições para atendimento médico, obras de natureza estrutural e de benfeitorias necessárias.

Além disso, até 30 de outubro, a assembleia condominial poderá ocorrer por meio virtual, inclusive para a votação das contas, possível destituição do síndico e mesmo sua eleição. Caso a nova eleição não seja possível, o mandato vencido de síndico a partir de 20 de março será prorrogado até 30 de outubro.

Locação e Pandemia: Suspensão ou Negociação?

Ao tratarmos sobre os impactos da pandemia de coronavírus no Brasil, faz-se necessário entender a aplicação das teorias da imprevisão e da onerosidade excessiva, no que diz respeito aos negócios jurídicos.

Neste sentido, cumpre frisar que tais teorias se aplicam aos contratos de locação, sejam eles comerciais ou residenciais.

Isso porque os contratos de locação são negócios jurídicos e geram obrigações, logo, estão dentro do escopo de aplicação de ambas as teorias. No entanto, ao examinarmos os pressupostos que configuram o suporte fático de aplicação tanto da teoria da imprevisão, quanto da teoria da onerosidade excessiva, concluímos que a situação econômica do locatário, com raríssimas exceções, não altera o equilíbrio contratual.

Para que seja autorizada a revisão do negócio por aplicação da teoria da imprevisão, é preciso que a alteração imprevisível das circunstâncias fáticas seja tal que cause “desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução”. Ou seja: o valor da locação precisa ter sido alterado pelas circunstâncias imprevisíveis. Em outras palavras, aquele imóvel não justifica mais o valor pactuado a título de aluguel, pois a crise causou desvalorização.

Todavia, o que vemos na prática é que o impacto da crise foi sobre a situação econômica do locatário.

Como dito, é possível a resolução do contrato por onerosidade excessiva ou a sua revisão, quando, em razão da alteração imprevisível das circunstâncias fáticas, “a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra”.

Ocorre que, na hipótese, não foram alteradas as circunstâncias internas do contrato, mas as circunstâncias particulares de um dos sujeitos, o locatário.

Consequentemente, ainda que se pudesse suscitar que o pagamento dos aluguéis se tornou excessivamente oneroso, o que não é verdadeiro sob a ótica da legislação civil, vez que as prestações contratuais não se desequilibraram, não podendo alegar extrema vantagem para o locador, justamente porque não foram alteradas as circunstâncias internas do contrato.

Logo, concluo que não se poderia discutir revisão ou resolução de contratos de locação por aplicação das teorias da imprevisão ou da onerosidade excessiva, pelo fato de o locatário ter sofrido impacto negativo da pandemia do coronavírus.

Não obstante, é evidente que, em grande parte dos casos, o impacto econômico negativo da pandemia sofrido pelo locatário acarretará o inadimplemento da obrigação de pagar os aluguéis.

Por esse motivo, recomenda-se a negociação entre locador e locatário, para fins de alteração, ainda que temporária, do valor do aluguel, por meio da ferramenta jurídica obrigacional da novação objetiva (art. 360, inciso I, CC).

Ressalto que a Lei do Inquilinato admite expressamente a novação do valor do aluguel nos contratos de locação.

Consiste a novação objetiva em uma nova obrigação, que será negociada entre os mesmos credor e devedor, que devem entrar em acordo sobre extinguir uma obrigação anterior e substituí-la por uma nova, com objeto diverso, sem necessidade de intervenção do juiz.

Aqui, especificamente, trata-se do acordo entre locador e locatário para, ainda que por certo prazo, enquanto perdurar a pandemia, substituir o valor originalmente ajustado de aluguel por um novo valor, que o locatário possa pagar nas circunstâncias atuais.

Com a novação, provavelmente, será possível evitar o inadimplemento, conservando-se o negócio jurídico.

Por fim, lembre-se: a novação se dá no campo da autonomia privada, depende de acordo entre os sujeitos do contrato.

Nessa toada, diverge muito da revisão ou resolução por aplicação das teorias da imprevisão e da onerosidade excessiva, que ocorrem no campo da interferência do Estado nas relações privadas.

Em outras palavras: a revisão ou a resolução do contrato por aplicação das teorias da imprevisão e da onerosidade excessiva podem ser pleiteadas em juízo, cabendo ao juiz decidir, a novação, não.

No entanto, estou certo de que, na maior parte dos casos, haverá espaço para a negociação, justamente porque a outra alternativa certamente é muito pior para ambas as partes.

A possibilidade de deixar de pagar o aluguel entrou em pauta por meio de um projeto de lei que visava alterar temporariamente dispositivos do direito privado, com o objetivo de amenizar reflexos jurídicos da pandemia. No entanto, repercutiu mal no Senado e foi tirado de pauta.

O projeto transferiria o problema de locatários para locadores, que muitas vezes dependem da renda dos aluguéis como complemento à aposentadoria, além de se acumular o valor do aluguel após a pandemia, que poderia novamente complicar a situação dos locatários.

Por isso, a alternativa mais recomendada é que o locatário renegocie direto com o locador, desde que mostre os documentos que comprovem a relação direta entre a pandemia do coronavírus e a dificuldade financeira de arcar com as parcelas mensais do aluguel. Medida que se faz necessária, haja vista muitos experimentam lucros ainda maiores nestes tempos de crise.

O acordo precisa ser estabelecido por um meio formal, pois isso dará segurança às duas partes. Ajuizar ação para pedir isenção ou descontos no aluguel deve ser a última opção, e caso chegue a este ponto, faz-se necessária a apresentação de documentos que comprovem a diminuição ou a inexistência de rendimentos, bem como, a proposição de alternativas para quitar o que se deve ao locador, demonstrando boa-fé e viabilidade para composição amigável da obrigação.

A Lei da Multipropriedade (Time Sharing)

Trata-se da Lei nº 13.777, de 20 de dezembro de 2018. Essa nova lei muda o Código Civil e a Lei de Registros Públicos para disciplinar o instituto da time sharing.

Para aumentar o número de pessoas que usufruem dos benefícios dos imóveis (que são recursos escassos), o Direito precisa se valer de novas ferramentas jurídicas. A multipropriedade é uma delas e consiste em um condomínio compostos por unidades periódicas vinculadas a um mesmo bem.

Uma metáfora pode ajudar na compreensão. Há tempos, já temos, no direito brasileiro, o parcelamento do solo, que envolve o loteamento e o desmembramento e que consiste no fatiamento de uma gleba de terra (como um vasto terreno) em várias porções de terra (que são os lotes). Trata-se de um parcelamento real, pois implica a fragmentação horizontal de uma coisa física em outras menores.

O legislador, então, pensou em potencializar o aproveitamento do solo por mais pessoas criando formas ficcionais de parcelamento. Uma delas foi o direito real de laje, que é o fatiamento vertical do solo, criando unidades autônomas aéreas ou subterrâneas alinhados verticalmente a uma porção de terra. Cada laje, por ser uma unidade autônoma, merecerá uma matrícula própria no cartório. A laje passou a ocupar o art. 1.510-A do Código Civil com tentáculos na Lei de Registros Públicos e na Lei 6.766/76.

Agora, o legislador está a prever um novo tipo de parcelamento não apenas do solo, mas também de outros imóveis por acessão (como os apartamentos em condomínios edilícios). Trata-se de um parcelamento temporal do imóvel, fragmentando-o em várias unidades autônomas vinculadas a um período certo de tempo do ano. Um apartamento é, por ficção jurídica, pulverizado em várias porções temporais autônomas, que são as unidades periódicas. Como o tempo mínimo da unidade periódica é de 7 dias à luz do novo art. 1.358-E do CC, isso significa que um imóvel pode ser parcelado em, no máximo, 52 unidades periódicas, o que significa que um imóvel, em tese, pode ser anualmente aproveitado por 52 pessoas diferentes. O tempo de ócio do bem será muito reduzido.

Portanto, a multipropriedade pode ser definida como um parcelamento temporal do bem em unidades autônomas periódicas. É pulverizar um bem físico no tempo por meio de uma ficção jurídica. Enxergar a multipropriedade como um condomínio fruto de um parcelamento temporal – e ficto! – do bem elucida bem o instituto.

Há algumas atecnias na redação da nova lei, como: (1) a referência a suposta “alienação de frações de tempo”, quando, na verdade, o que se está tratando de alienação do direito real de propriedade do multiproprietário sobre sua unidade; (2) a citação da Lei 4.591/64 como fonte subsidiária, na verdade, abrange a necessidade de aplicar todas as regras de condomínio edilício de modo subsidiário, como os arts. 1.331 e seguintes do CC, tudo diante da similaridade das duas espécies de condomínio; (3) o emprego, no art. 1.358-T do CC, da expressão “renúncia translativa” em matéria de direitos reais foi atécnico, pois ela é doutrinariamente utilizada em matéria de direito sucessório e ela representa, na verdade, uma hipótese de transmissão da propriedade em proveito de uma determinada pessoa, e não uma renúncia propriamente dita; (4) há alguns preceitos que merecem interpretação conforme à Constituição para livrar-se da pecha da inconstitucionalidade.

A aplicação prática do instituto, todavia, não será comprometida por essas atecnias legislativas, conforme apoio a ser dado pela doutrina e pela jurisprudência.

Multiproprietário é o titular da unidade periódica.

A unidade periódica é a coisa física considerada apenas em uma fração de tempo do ano.

O direito real de propriedade periódico é o vínculo jurídico entre o multiproprietário e a unidade periódica. Enfim, é o direito de propriedade sobre uma unidade periódica.

Condomínio multiproprietário é o condomínio em multipropriedade ou simplesmente a multipropriedade, que é a situação jurídico-real de uma coisa estar vinculado a unidades periódicas.

A lei trata apenas do condomínio multiproprietário em imóveis. Não abrangeu a time sharing em móveis, como em barcos, aeronaves etc., tarefa que ficará para eventual lei futura.

O mobiliário que guarnece o imóvel, diante de sua natureza acessória, segue o mesmo regime jurídico-real do imóvel e, portanto, também é objeto da multipropriedade do imóvel.

A disciplina da multipropriedade pelo Código Civil sujeita-se subsidiariamente à legislação que trata de condomínio edilício, como os arts. 1.331 e seguintes do Código Civil e a Lei 4.591/64.

A aplicação do Código de Defesa do Consumidor ocorrerá apenas se houver relação de consumo envolvendo, de um lado, os multiproprietários e, de outro lado, o administrador do condomínio multiproprietário, a empresa operadora do regime de pool (art. 1.358-S, II, CC) ou a empresa operadora do regime de intercâmbio (art. 1.358-P, VI, CC). E, para haver relação de consumo, é preciso observar os requisitos do CDC. Essa deve ser a leitura do novo art. 1.358-B do CC. Assim, se a multipropriedade tiver sido instituída em um ambiente de amigos e parentes, não há relação de consumo e, portanto, é descabida a incidência do CDC.

Qualquer imóvel poderá ser “parcelado temporalmente”. Trocando em miúdos, é cabível a instituição do condomínio multiproprietário sobre qualquer imóvel. Não importa se o imóvel é rural ou urbano: não cabe ao intérprete fazer restrições não feitas pelo legislador nesse aspecto.

Se o imóvel for um terreno com ou sem construção, bastará ser feita a instituição do condomínio multiproprietário pelo titular do bem.

Se, porém, o imóvel for uma unidade em condomínio edilício (ex.: um apartamento em um prédio com 48 apartamentos), não basta a vontade individual do proprietário dessa unidade, pois, como a multipropriedade implica um parcelamento temporal do bem, haverá uma alteração na estrutura de direito real da unidade com reflexos no próprio condomínio edilício. Um exemplo desse efeito é que o condomínio edilício passará a cobrar a contribuição condominial de cada multiproprietário a partir da instituição da multipropriedade e, no caso de inadimplência, só poderá executar esse devedor e eventualmente adjudicar apenas a unidade periódica, conforme dicção do art. 1.358-S do CC. É de imaginar o absurdo de, por vontade exclusiva de um condômino, uma unidade do condomínio edilício ser pulverizada em 52 unidades periódicas, com o dever de o condomínio edilício ter de, doravante, cobrar a contribuição de cada um dos 52 multiproprietários.

Por isso, para haver a instituição da multipropriedade em unidades de condomínios edilícios, há necessidade de previsão expressa no ato de instituição do próprio condomínio edilício, a qual, apenas nesse ponto, poderá ser alterada mediante deliberação maioria absoluta dos condôminos por força do art. 1.358-O do CC.

Quanto à forma do instrumento de instituição do condomínio multiproprietário, deve-se observar, no que couber, a mesma regra vigorante para a forma da instituição do condomínio edilício, admitido, porém, o uso de testamento (art. 1.358-F, CC).

Se for empregado um testamento, ele, em regra, deverá ter todos os requisitos formais para a instituição do condomínio na forma do art. 1.358-F ao art. 1.358-G e dos arts. 1.358-P e 1.358-Q do CC. Entendemos, porém, que poderá o testador limitar-se a indicar as unidades periódicas que caberão aos sucessores em relação a um imóvel e delegar a eles o dever de, por maioria, deliberar sobre as demais questões formais do ato de instituição e, assim, elaborarem um ato complementar de instituição do condomínio multiproprietário. Por exemplo, o testamento poderá limitar-se a dizer:

“deixo o imóvel X aos sucessores A e B sob a forma de condomínio multiproprietário em que A será titular de uma unidade periódica envolvendo a fração de tempo de janeiro a agosto de cada ano e em que B titularizará a fração de tempo remanescente (de setembro a dezembro). Caberá a eles, elaborar os atos de instituição com os demais requisitos formais, prevalecendo, no caso de divergência, a vontade daquele com maior fração de tempo.”

Em nome do princípio da conservação do negócio jurídico, eventual silêncio do testamento acerca de como deve ser definida essas demais questões formais do ato de instituição deve ser interpretado como uma delegação dada pelo testador aos sucessores testamentários para, por maioria censitária, promover essas definições.

No Registro de Imóveis, deve ser admitido, como título inscritível para a instituição do condomínio multiproprietário, o formal de partilha com menção a todos os requisitos formais ou com expressa autorização para que os sucessores testamentários elaborem documento complementando as informações faltantes (caso em que o título a ser inscrito na tábua predial será o formal de partilha em conjunto com esse documento complementar).

Quando o instrumento for um ato entre vivos, à semelhança do que sucede com o condomínio edilício, certamente haverá controvérsias acerca da aplicação ou não do art. 108 do CC. Entendemos que o art. 108 do CC é aplicável por envolver mutação jurídico-real de imóvel, de modo que deve ser exigida a escritura pública se o imóvel for de valor superior a 30 salários-mínimos.

Do ponto de vista registral, haverá uma matrícula-mãe, na qual será registrada a instituição do condomínio multiproprietário com a criação de novas matrículas-filhas para as unidades periódicas. É semelhante ao que acontece com o condomínio edilício: a matrícula-mãe recebe o registro da instituição do condomínio edilício e, assim, gera matrículas autônomas para cada unidade autônoma.

Há necessidade de abertura de matrícula para cada unidade periódica. Isso significa que cada unidade imobiliária é um imóvel autônomo, como sucede com as unidades no condomínio edifício. É o que reza o princípio da unitariedade matricial, segundo o qual cada imóvel tem de corresponder a uma matrícula. Também dá conta disso o fato de que uma mesma pessoa pode ser titular de todas as unidades periódicas relativas a um mesmo imóvel sem extinção do condomínio multiproprietário (art. 1.358-C, parágrafo único, CC).

Portanto, a multipropriedade cria um direito de propriedade periódico a cada multiproprietário. Em outras palavras, o multiproprietário é titular de um direito real sobre coisa própria, porque titula um direito de propriedade com dimensão espaço-temporal.

Desse modo, no atual direito brasileiro, os direitos reais sobre coisa própria envolvem: (1) o direito real de propriedade sobre imóveis por natureza, que é solo, com as respectivas acessões; (2) o direito real de propriedade sobre unidades autônomas em condomínios edilícios, de lotes, urbano simples e em multipropriedade; e (3) o direito real de laje (para este último, há divergência doutrinária, mas preferimos a que o considera um direito real sobre coisa própria).

Por curiosidade, destaque-se que Portugal não disciplinou a multiproprietário como um condomínio, mas como um direito real de habitação periódico. Preferiu, pois, disciplinar o instituto como um direito real sobre coisa alheia.

Há várias repercussões práticas em reconhecer que o multiproprietário é titular de direito real sobre coisa própria, como as relativas à ausência de dever de um multiproprietário arcar com tributos propter rem dos demais (IPTU) e a possibilidade de uma unidade periódica ser objeto de direitos reais de garantia oferecidos pelo multiproprietário a seus credores pessoais. Se a multipropriedade fosse direito real sobre coisa alheia, como em Portugal, o resultado prático seria diferente para esses exemplos.

Como consequências de o direito de propriedade sobre a unidade periódica ser direito real sobre coisa própria, o IPTU só recai sobre a unidade periódica. Logo, os demais multiproprietários não podem ser responsabilizados pela dívida de IPTU da unidade. O fato gerador do IPTU é o direito real de propriedade do imóvel periódico, e esse conceito é dado pelo Direito Civil, que tem de ser observado pelo Fisco à luz do art. 110 do CTN, que estatui, in verbis:

Art. 110, CTN: A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.

O Direito Civil trata a unidade periódica como imóvel autônomo e, portanto, um multiproprietário não pode ser compelido a responder pelo IPTU relativo à unidade periódica dos demais. Em confirmação disso, o art : 176, § 11, da LRP, permite que cada imóvel tenha uma inscrição imobiliária individualizada à luz da lei tributária municipal.

Não há, pois, a solidariedade tributária de que trata o inciso I do art. 124 do Código Tributário Nacional, ao contrário do insinuado na mensagem de veto parcial da nova lei. De fato, não há interesse algum de um multiproprietário em que os demais saldem o IPTU das suas unidades periódicas. No caso de inadimplemento, o Fisco poderá excutir a unidade periódica do devedor para quitação da dívida tributária, sem que isso prejudique os demais multiproprietários.

A unidade periódica pode, sozinha, ser objeto de hipoteca ou de alienação fiduciária, pois representa um direito real de propriedade (periódico) e, portanto, é um direito real sobre coisa própria.

À falta de previsão legal diversa, em condomínios multiproprietários, a responsabilidade por coisas caídas seguirá a mesma regra que, no que couber, vigora para os condomínios edilícios à luz do art. 938 do CC. Em suma, apenas os efetivos ou os potenciais causadores da queda respondem. Isso significa que, no caso de coisa caída em um determinado momento, somente o multiproprietário titular da unidade periódica desse período pode vir a ser responsabilizado pela coisa caída se não for identificado o efetivo causador da coisa (“queda anônima”). Em outras palavras, se, em janeiro, uma pedra cai do prédio em cima de um carro, caso não seja identificada a unidade de onde partiu a pedra, só o multiproprietário titular da unidade em janeiro poderá vir a ser responsabilizado civilmente em conjunto com os outros condôminos do mesmo período.

Dessa forma, quem adquirir unidade periódicas não poderá ser responsabilizado por coisas caídas fora do seu período.

No caso de ruína do prédio, todos os proprietários respondem solidariamente, mesmo os condôminos multiproprietários de período diverso (art. 937, CC). Fica, porém, assegurado o direito de regresso contra o causador da ruína.

O mobiliário que guarnece o imóvel também se sujeita à multipropriedade. Logo, cada multiproprietário é dono dele no respectivo período de tempo. Nesse contexto, todos são donos.

Nesse sentido, o art. 1.358-J, II, do CC, ao fixar a responsabilidade do multiproprietário pelos danos caudados ao imóvel e ao mobiliário durante seu período, precisa ser interpretado com as regras gerais do “res perit domino” (art. 233 e ss, CC) e da responsabilidade subjetiva (art. 927, CC).

Assim, o art. 1.358-J, II, do CC só se aplica quando houver culpa do multiproprietário ou dos autorizados por ele a estar no bem. É a regra da responsabilidade objetiva. Se, porém, o dano decorrer de um desgaste natural da coisa, não há dever de indenizar, pois o prejuízo é de todos os donos, ou seja, de todos os multiproprietários. Trata-se do “res perit domino”. De fato, o art. 1358-J, II, do CC não se aplica para esses casos de perecimento ou deterioração sem culpa.

Essa nos parece a melhor leitura do referido dispositivo, que se vale de termos como “responder” e “dano”, os quais pressupõem essas ideias expostas. Desse modo, se a torneira de uma pia, pelo seu desgate natural, parar de funcionar após o uso de um multiproprietário, o conserto deverá ser custeado por todos. Admite-se, no entanto, pacto em sentido contrário mediante previsão na convenção (art. 1.358-G, V, CC).

A multipropriedade é um condomínio e atrai subsidiariamente as regras de condomínio edilício. Daí decorre que, com sua instituição, nasce um sujeito despersonalizado, o condomínio multipropriedade, o qual tem capacidade de ser parte em processos judiciais para exercer seus direitos e cumprir seus deveres.

Esse sujeito despersonalizado será representado pelo administrador, que equivale, mutatis mutandi, à figura do síndico no condomínio edilício. O CC optou por designar o síndico do condomínio multiproprietário de administrador (arts. 1.358-J, III, e 1.358-M do CC).

O nome da parte será formado pela expressão “condomínio em multipropriedade da” acompanhada da identificação do imóvel, salvo se, no ato de instituição, for dado um nome diverso. Exemplos (com endereços fictícios): (1) condomínio em multipropriedade do imóvel da Rua Presidente Vargas n. 1000, Vila Nova, São Paulo/SP; (2) condomínio em multipropriedade do apartamento 304 do Edifício Vila Nova. Entendemos que o nome do condomínio deverá estar previsto no ato de instituição, apesar do silêncio legal. Isso, porque o condomínio multiproprietário é sujeito de direito.

Se se tratar de um condomínio edilício com unidades total ou parcialmente em regime de multipropriedade, haverá, como entes despersonalizados, o condomínio edilício e os condomínios em multipropriedade relativos às unidades que se sujeitaram ao regime multiproprietário. Nada impede que o síndico do condomínio edilício seja o administrador de cada um dos condomínios multiproprietários: o que não é proibido no Direito Privado é permitido.

Credores pessoais de um multiproprietário podem penhorar a sua respectiva unidade periódica, mas jamais poderão penhorar apenas os móveis que guarnecem o imóvel em regime de condomínio multiproprietário. Isso, porque o devedor não é titular do mobiliário isoladamente, mas sim de um direito real de propriedade periódico, que, de forma indivisível (art. 1.358-D, I, CC), alcança o imóvel e os respectivos mobiliários na respectiva fração de tempo.

No caso de o condomínio multiproprietário estar inadimplente e de o imóvel estar em prédio sujeito a um regime de pool, ele pode ser proibido de usar sua unidade periódica para que sua unidade seja explorada em regime de pool a fim de que o lucro líquido obtido seja utilizado para o pagamento da dívida (art. 1.358-S, parágrafo único, CC).

O dispositivo prevê o que chamaremos de “anticrese legal” da unidade periódica para o pagamento das contribuições condominiais.

Há algumas cautelas a serem tomadas para evitar inconstitucionalidade do dispositivo.

Antes de tudo, a correta interpretação é a de que as três medidas previstas nos incisos do parágrafo único do art. 1.358-S do CC devem ser aplicadas em conjunto. Logo, não se pode simplesmente proibir o multiproprietário de usar a unidade periódica, sem que ela passe a ser utilizada no regime de pool para pagamento da dívida. A mera proibição, por si só, nos parece inconstitucional por ser uma medida pura de coerção indireta sem intervenção jurisdicional e por violar o direito de propriedade.

A segunda cautela é que a efetivação dessa anticrese legal necessariamente deve ser precedida de um procedimento em que envolva notificação prévia do multiproprietário inadimplente para: (1) purgar a mora por aplicação analógica do art. 404 do CC ou (2) apresentar defesa com direito a recurso por aplicação analógica do art. 56 do CC. Sem isso, haverá inconstitucionalidade por ofensa aos princípios constitucionais do contraditório. Trata-se do que chamamos de princípio do direito ao aviso prévio a uma sanção, sobre o qual falaremos em outro texto.

A terceira cautela é a de que essa anticrese legal só pode ser aplicada se a submissão do prédio (rectius, do condomínio edilício) a um regime de poolocorreu no ato da instituição do condomínio multiproprietário ou por meio de deliberação posterior que tenha contado com votação favorável do titular da unidade periódica (o atual ou os anteriores). É que a anticrese legal implica uma restrição especificamente aos multiproprietários quanto ao exercício do seu direito de propriedade exclusiva da unidade periódica e, portanto, depende de ato de vontade prévia dele ou dos anteriores titulares.

A quarta cautela é que, apesar da omissão legal, a submissão do condomínio edilício com unidades em multipropriedade ao regime de pool na forma do parágrafo único do art. 1.358-S do CC precisa ser averbada em todas as matrículas-filhas, ou seja, em todas as matrículas das unidades periódicas, pois, ao restringir os poderes inerentes ao direito real de propriedade periódico, está a modificar o registro de propriedade a atrair a obrigatoriedade de averbação por força do art. 246 da LRP. Sem essa averbação, não há eficácia erga omnes do multipropriedade ao regime de pool nem à correlata anticrese legal. Se alguém comprar uma unidade periódica sem que, em sua matrícula, esteja averbado o regime de pool, ele não poderá ser constrangido ao que estamos a chamar de “anticrese legal”.

Quando a multipropriedade recair sobre unidades de um condomínio edilício, o multiproprietário pode renunciar à titularidade de sua unidade periódica ao condomínio edilício, salvo se estiver inadimplente com obrigações propter rem (art. 1.358-T, CC).

Em primeiro lugar, entendemos que esse dispositivo não impede uma renúncia abdicativa do imóvel na forma do art. 1.275, II, do CC. Nesse caso, basta que o multiproprietário, por meio de escritura pública – se seu bem periódico for de valor a 30 salários mínimos (art. 108, CC)–, manifestar sua renúncia e inscrever a escritura na matrícula do imóvel. Nesse caso, a unidade periódica se tornará um bem vago e será revertido em favor do município, como sucede no caso de vacância dos bens. Nesse caso, não há o fato gerador do ITCD, pois a renúncia abdicativa não envolve transmissão de bem.

De fato, pela leitura do art. 1.358-T do CC, fica criada uma figura chamada de “renúncia translativa”, que – assim como sucede a renúncia translativa de herança – é, na verdade, uma transmissão gratuita da coisa para um terceiro. E, como tal, será fato gerador do ITCD. Todavia, por força do advérbio “somente” no texto do referido dispositivo, essa renúncia translativa só pode ser feita em favor do condomínio edilício cujas unidades estejam em regime de multipropriedade. Nesse caso, o condomínio edilício só poderá recusar receber a propriedade da unidade periódica se o multiproprietário estiver inadimplente com suas obrigações propter rem.

Não faz sentido adotar outra interpretação, sob pena de inconstitucionalidade.

Entender que ficou vedada a renúncia abdicativa do art. 1.275, II, do CC, além de contrariar o texto do próprio caput do art. 1.358-T do CC, acarretaria inconstitucionalidade por ofensa ao direito de propriedade por três motivos.

A primeira razão é a de que é imanente ao direito de propriedade a faculdade de dispor da coisa (ius abutendi), de modo que o proprietário pode transferir a terceiros ou simplesmente torná-la vaga (destruí-la juridicamente).

O segundo fundamento é que o condomínio edilício com unidades em regime multiproprietário não pode enriquecer-se com a suposta obrigatoriedade de o multiproprietário só pode renunciar a propriedade em favor dele. Isso seria um enriquecimento sem causa fruto de uma restrição indevida ao direito de propriedade.

O terceiro motivo é que impedir que o multiproprietário inadimplente de “se livrar” da unidade periódica que mensalmente gera novos encargos propter rem (especialmente a título de IPTU e de contribuição condominial) frustraria a faculdade de dispor da coisa, a qual é inerente ao direito de propriedade. Condicionar a renúncia da propriedade ao pagamento das dívidas propter rem vencidas seria obrigar que o multiproprietário continue sujeito ao agravamento de sua situação com a superveniência de novos fatos geradores das obrigações propter rem.

De fato, o multiproprietário tem de poder estancar essa fonte de dívidas propter rem por meio da renúncia à propriedade. É evidente que, até a data da renúncia, o multiproprietário terá de responder pelas dívidas vencidas, indenizando o credor por meio do pagamento dos respectivos encargos moratórios (multas, juros moratórias, correção monetária e indenização complementar, na forma dos arts. 389 e seguintes do CC). O credor não sofrerá prejuízo algum com a renúncia, pois, além de a demora no pagamento já ser compensada com os encargos moratórios, ele poderá promover a excussão da coisa mesmo após a renúncia diante da natureza propter rem de seu crédito. Aprisionar o multiproprietário a essa condição jurídico-real “ad seculorum” para ter de arcar com novos fatos geradores de dívidas propter rem seria absolutamente desproporcional, engrossando o coro da inconstitucionalidade com a ofensa ao princípio da proporcionalidade.

Portanto, entendemos que a interpretação adequada do art. 1.358-T do CC é a de ele não impede a renúncia abdicativa do art. 1.275, II, do CC e a de que ele se restringe ao caso da renúncia translativa em favor do condomínio edilício, o qual só poderá recusar assumir a propriedade da coisa renunciada na hipótese do parágrafo único do art. 1.358-T do CC, ou seja, na hipótese de pendência de dívidas propter rem. Em suma, a renúncia translativa é um direito subjetivo do multiproprietário adimplente em transferir a coisa para o condomínio edilício.

Caso, porém, alguém venha a entender que o dispositivo proíbe a renúncia abdicativa e só admite a renúncia translativa para o condomínio edilicio, inevitavelmente o parágrafo único do art. 1.358-T do CC terá de ser declarado inconstitucional por ofensa: (1) ao direito de propriedade, por esvaziar o “ius abutendi”; (2) ao princípio da proporcionalidade, pois esse dispositivo impediria o multiproprietário de estancar a sangria de novas dívidas propter rem que viriam a surgir com a permanência forçada de sua condição de multiproprietário; (3) à livre iniciativa, pois esse preceito impede a liberdade do multiproprietário em desvencilhar-se da condição jurídico-real e inflige-lhe uma verdadeira “sanção política” como meio de coerção indireta de cobrança de dívida.

Apesar do silêncio legal, é necessário que a submissão da unidade periódica ao regime de pool ou de intercâmbio seja averbada na matrícula da unidade periódica para ter eficácia contra terceiros, pois esses regimes modificam o registro da propriedade periódica e, por isso, tem de ser necessariamente averbado à luz do art. 246, LRP.

Sem essa averbação, caso o multiproprietário aliene seu bem a um terceiro, este não terá de respeitar o vínculo de pool ou de intercâmbio firmado pelo anterior multiproprietário, pois, diante da falta de inscrição no álbum imobiliário, esse vínculo era meramente obrigacional sem eficácia real (ou seja, sem eficácia contra terceiros).

O administrador é mandatário legal apenas para atos de mera gestão ordinária da multipropriedade, assim entendida a gestão das questões comuns (art. 1.358-M, CC).

Logo, seu mandato não inclui a possibilidade de o administrador pagar o IPTU, salvo autorização expressa do condomínio ou previsão no estatuto social. Havendo essa autorização, o administrador terá um mandato convencional (e não legal) e, nessa condição, ele apenas poderá pagar o IPTU com o dinheiro repassado pelo próprio multiproprietário.

Não pode o administrador usar o dinheiro pago por outros multiproprietários para pagar o IPTU de uma unidade periódica cujo titular está inadimplente.

Esse raciocínio vale para também para o caso de administrador profissional, que é exigido para o caso de multipropriedade em unidades de condomínios edilícios na forma do art. 1.358-R do CC.

No caso de multipropriedade instituída em unidade de condomínio edilício, obrigatoriamente terá de haver a contratação de um administrador profissional, o qual passará a ser administrador não apenas do condomínio edilício, mas também de todas os condomínios multiproprietários.

Não necessariamente esse administrador profissional terá de ser o síndico do condomínio edilício e dos condomínios multiproprietários. Todavia, se o administrador profissional for pessoa diversa, os síndicos ficarão com função gestora limitada a intermediar o diálogo dos condôminos com esse administrador profissional, convocando assembleias, assinando, em nome do condomínio, o contrato de prestação de serviço com esse administrador profissional e repassando informações para os condôminos. Caberá ao administrador profissional as funções gestoras dos condomínios edilícios e multiproprietários, como a gestão da conta bancária do condomínio, a contratação de funcionários, a realização de obras etc.

De qualquer forma, entendemos pela inconstitucionalidade do dispositivo ao exigir um administrador profissional por ofensa à liberdade profissional e à livre iniciativa. Não há motivos para essa reserva de mercado a quem seja inscrito no conselho profissional dos administradores. Outras pessoas, ainda que não sejam profissionais, poderiam exercer essa função. O próprio síndico, nomeado livremente pelos condomínios, poderiam desempenhar a função. Temos, portanto, que o art. 1.358-R do CC merece interpretação conforme à Constituição Federal para que seja lido no sentido de que a expresso “administrador profissional” pode ser entendida como qualquer pessoa capaz, ainda que sem inscrição em conselho profissional de administrador, e pode ser o próprio síndico do condomínio edilício.

Ainda que assim não fosse, no mínimo, tem-se de dar interpretação restritiva ao preceito para o restringir a casos em que os multiproprietários sejam considerados consumidores. Assim, se, em um condomínio edilício composto por 4 unidades pertencentes a amigos, é autorizado que cada unidade se sujeite a uma multipropriedade em benefício dos respectivos parentes, não há razão alguma para burocracias maiores. Não há relação de consumo nesse ambiente fraterno-familiar e, portanto, jamais se poderia entender pela obrigatoriedade de um administrador profissional.

A lei em pauta é um marco legal relevantíssimo para o direito brasileiro. A doutrina e a jurisprudência terão muito trabalho para explorar o tema. Faltará, ainda, o legislador nos brindar com uma disciplina da multipropriedade para bens móveis diante de sua importância social. Enquanto isso, convém que seja estimulada a criatividade dos juristas para evitar o desperdício de um recurso tão escasso, como são os imóveis, dando ferramentas jurídicas idôneas para permitir a exploração do econômica dos bens.

A acessibilidade nos condomínios

O tema acessibilidade vem ganhando importância no País, principalmente pela necessidade de inclusão. Estatísticas apontam que hoje o Brasil tem 12,5% de idosos, índice que deve alcançar os 30% até a metade do século. Dados do IBGE revelam ainda que 23,9% da população brasileira tem algum tipo de deficiência.

Atenção
Os condomínios tem que ficar bem atentos à questão. Se algum morador provocar o Judiciário alegando falta de acesso a algum lugar do prédio, ele poderá ganhar a causa. Por isso é importante o prédio se adaptar. Os síndicos, as vezes por não conhecerem as normas, correm diversos riscos de processo, envolvendo a questão da acessibilidade.

Legislação
Lei Municipal: Código de Obras e Edificações do Município, o Decreto Federal nº 5296, de 2 de dezembro de 2004, a NBR 9050 da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) e o Código de Processo Civil.

Obras de acessibilidade
A acessibilidade é um assunto mais amplo do que a instalação de rampas nas edificações. Envolve comunicação, sinalização de saídas (obrigatória), luz de emergência (obrigatória), aviso de piso molhado, proibição (fumar, portas abertas).

Segurança
No quesito segurança, é importante os condomínios se atentarem para: calçada tátil (obrigatória em certas ruas), calçada não escorregadiça (obrigatória), corrimão (obrigatório), rampas (obrigatórias nas reformas e ampliações), adaptação de um banheiro comum (obrigatória), portas de acesso viáveis para cadeirantes.

Vantagens
Sociais (inclusão de todos os moradores), comerciais (ampliação do público consumidor), financeiras (valorização dos imóveis), civis (diminuição dos acidentes), qualidade de vida (melhoria dos espaços de circulação e convivência), éticas (tratamento humanitário sem discriminação).

Retrofit
Retrofit é a modernização de sistemas e revestimentos de um espaço construtivo considerado ultrapassado ou fora da norma. Objetivos:
– Revitalizar e atualizar uma construção aumenta a vida útil de todo o imóvel;
– Ao incorporar modernas tecnologias e materiais de qualidade, o imóvel ganha novo valor e beneficia o proprietário no caso de venda;
– Mais segurança e controle de acessos, novas instalações elétricas e sistema de iluminação, o que minimiza os riscos de incêndios e roubos;
– As novas instalações elétricas e hidráulicas reduzem perdas e geram economia a todo o condomínio;
– A restauração do acesso principal (hall e galerias) cria um outro perfil de público que frequenta o local;
– A valorização da fachada de um edifício valoriza o próprio prédio, os outros edifícios que estão no entorno, toda a rua; e
– A implantação dos conceitos de acessibilidade cria segurança e amplia o público usuário do imóvel.

ITBI não incide na cessão de direitos de bens imóveis

O presente artigo parte da necessidade de se enfrentar essa questão, tendo vista que alguns municípios paulistas vêm cobrando ITBI quando da cessão de direitos de bens imóveis, em afronta à CF/1988, ao CTN e ao Código Civil, conforme se verá.

De plano, tem-se que a competência dos municípios para instituir o Imposto sobre Transmissão Inter Vivos, a título oneroso, de bens imóveis (ITBI), está disciplinada no artigo 156 da Constituição Federal, que assim dispõe:

“Art. 156. Compete aos Municípios instituir imposto sobre:

[…]

II – transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição”.

Então, o exercício da competência tributária pelos entes políticos municipais encontra seus limites no próprio texto constitucional.

Já o artigo 35 do Código Tributário Nacional (com força de lei complementar), por seu turno, dispõe que o fato gerador do ITBI é a transmissão da propriedade ou do domínio útil, como definidos na lei civil, de modo que sua ocorrência somente se verifica com o registro da escritura de compra e venda no Cartório de Registro de Imóveis, nos termos do artigo 1.227 do CC.

Com efeito, o imposto (ITBI) somente é devido quando se transfere o domínio. E o momento da transferência acontece quando do registro do documento (escritura pública) no Cartório de Registro de Imóveis, conforme os artigos 1.227 e 1.245 do Código Civil, in verbis:

“Art. 1.227. Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código”.

“Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.

§ 1º – Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.

§ 2º – Enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decretação de invalidade do registro, e o respectivo cancelamento, o adquirente continua a ser havido como dono do imóvel”.

De outra ponta, tem-se que a Constituição e o CTN definem a regra matriz de incidência do ITBI, e mais, que este mesmo CTN estabelece que a lei tributária não pode alterar a “definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado” (artigo 110).

E o critério do Código Civil é adotado pela legislação tributária, por força do artigo 110 do CTN, que estabelece:

“Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias”.

Dessa forma, o CTN remete expressamente à lei civil adrede citada para a definição de bens imóveis tornando o seu conceito induvidoso.

Destarte, a transmissão de propriedade de bens imóveis, de direitos reais sobre imóveis e de cessão de direitos sobre tais transmissões não pode ser entendido senão conforme a lei civil, nos termos do artigo 109 do CTN.

Então, apenas mediante o registro imobiliário é que ocorre a transmissão do bem imóvel.

Ora, como diz o dito popular, “só é dono quem registra”, e para tanto há de se ter a transmissão do bem imóvel via lavratura da escritura pública, quando, assim, deve incidir o ITBI.

Dessa forma, antes da inscrição do título de transmissão não ocorre qualquer transmissão de propriedade, não se havendo falar na ocorrência do fato imponível da obrigação tributária e tampouco no pagamento de ITBI, e muito menos as multas e demais acréscimos.

A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que apenas a transcrição do título de transferência no registro de imóveis dá ensejo à incidência do ITBI, não podendo ser tributada a promessa de compra e venda ou de cessão de direitos (RO em MS 10.650-DF, AgReg no REsp 982.625/RJ).

A ministra Eliana Calmon, ao relatar o Recurso Especial 57.641/PE, entendeu que o ITBI não incide “em promessa de compra e venda, contrato preliminar que poderá ou não se concretizar em contrato definitivo, este sim ensejador da cobrança do aludido tributo”.

Não se pode olvidar também que o STF, quando do julgamento da Representação 1.211-5/RJ, decidiu no mesmo sentido, sendo a ementa lavrada com o seguinte teor:

“Imposto sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos. Fato gerador. O compromisso de compra e venda e a promessa de cessão de direitos aquisitivos, dada a sua natureza de contratos preliminares no direito privado brasileiro, não constituem meios idôneos à transmissão, pelo registro, do domínio sobre o imóvel, sendo, portanto, inconstitucional a norma que os erige em fato gerador do imposto sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos”.

Com isso, na cessão de direitos e que serve de lastro às secretarias de Finanças de algumas prefeituras municipais cobrar o ITBI não tem qualquer fundamento, não caracterizando, destarte, hipótese de incidência tributária, porque não levada ao registro.

Ou seja, perante o Cartório de Registro de Imóveis não houve qualquer alteração na condição dominial do imóvel que possa implicar na ocorrência do fato gerador e, com isso, possibilitar a exigência do tributo.

Como já adiantado, apenas para efeitos argumentativos, se assim o for, todos os compradores de imóveis na planta deverão arcar em dois momentos com o ITBI, quando da compra e depois quando da lavratura da escritura (?!), não parece ser esta a aplicação da legislação de regência.

Nesse sentido já decidiu o Superior Tribunal de Justiça que:

“PROCESSUAL CIVIL – ALEGAÇÃO GENÉRICA DE VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC – SÚMULA 284/STF – JULGAMENTO EXTRA PETITA – NÃO-OCORRÊNCIA – TRIBUTÁRIO – ITBI – PROMESSA DE COMPRA E VENDA – FATO GERADOR – NÃO-INCIDÊNCIA – PRECEDENTES.

(…)

3. NA HIPÓTESE DOS AUTOS, A CORTE DE ORIGEM FIRMOU ENTENDIMENTO ASSENTE NA JURISPRUDÊNCIA NO SENTIDO DE QUE A PROMESSA DE CESSÃO DE DIREITOS À AQUISIÇÃO DE IMÓVEL NÃO É FATO GERADOR DE ITBI. PRECEDENTES”.

(Agravo regimental improvido. AgRg no REsp 982625 / RJ – AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – 2007/0204947-8)

Vale citar o julgado do STF que vai na mesma linha desse raciocínio :

“EMENTA Agravo regimental no agravo de instrumento. Imposto de transmissão inter vivos de bens imóveis. ITBI. Momento da ocorrência do fato gerador. Compromisso de compra e venda. Registro do imóvel. 1. Está assente na Corte o entendimento de que o fato gerador do ITBI somente ocorre com a transferência efetiva da propriedade imobiliária, ou seja, mediante o registro no cartório competente. Precedentes. 2. Agravo regimental não provido”.

(AG.REG. NO AGRAVO DE INSTRUMENTO – AI 764432 / MG – Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI – Julgamento: 08/10/2013 – Órgão Julgador: Primeira Turma – Publicação – ACÓRDÃO ELETRÔNICO – DJe-231 DIVULG 22-11-2013 PUBLIC 25-11-2013)

Ainda nesse sentido, o voto do ministro Francisco Falcão, no Ag.Rg no RE 798.794/SP, deixou assentado que “o fato gerador do ITBI só se aperfeiçoa com o registro da transmissão do bem imóvel, incidindo, portanto, o tributo somente após o registro no Cartório de Imóveis, sendo descabida a exigência nos moldes da Lei Municipal nº 5.430/89”.

E o TJ-SP vem reiteradamente decidindo nesse mesmo sentido, como faz exemplo a Apelação 0053042-30.2011.8.26.0405 e que tem a seguinte ementa do acórdão:

“Ementa: Mandado de Segurança. ITBI. Ocorrência do fato gerador com o registro da transmissão do bem. Entendimento sedimentado no STJ. Multa e juros moratórios aplicados antes da ocorrência do registro. Impossibilidade. Nega-se provimento ao recurso, com manutenção da sentença reexaminada.

(Apelação n° 0053042-30.2011.8.26.0405 – Relatora BEATRIZ BRAGA – 18ª Câmara de Direito Público – Dje 11/12/2013)

Resta claro, portanto, de que o contribuinte não deve se sujeitar ao referido imposto em decorrência da sua não incidência quando da cessão de direitos.

Nesse diapasão, a exigência de ITBI com base na cessão de direitos padece de TOTAL ilegalidade e inconstitucionalidade, porquanto funda-se simplesmente em um instrumento (“cessão de direitos”) que não tem o condão de transmitir bens imóveis como assim determina a CF/88, portanto, não se tem a hipótese de incidência prevista na legislação para este fato concreto.

Dessa forma, não assiste razão às prefeituras em exigir o ITBI com base em cessão de direitos, posto que, como se viu, este tributo somente pode ser exigido na transmissão da propriedade do imóvel e que se dará quando os contribuintes-adquirentes, nos termos dos artigos 1.227 e 1.245 do Código Civil, transferirem o domínio do bem imóvel em questão.

Por fim, é digno de nota que bem recentemente, nos autos de um mandado de segurança, em face do secretário de Finanças da Prefeitura de Osasco, o Juiz da 2ª Vara da Fazenda Pública proferiu a seguinte sentença concedendo a segurança:

“É certo que, os artigos 156, II da Constituição Federal, bem como os artigos 35 e 110 do Código Tributário Nacional estabelecem que a ocorrência do fato gerador do ITBI se aperfeiçoa com a transmissão da propriedade. Mera escritura de cessão de compromisso de compra e venda, “data vênia”, não corresponde à definição legal do fato gerador do tributo em tela. Nesse sentido, a jurisprudência pacífica do Egrégio TJSP:

IMPOSTO ITBI – São Paulo – Imóvel adquirido mediante contrato particular de cessão de direitos e obrigações de compromisso de compra e venda – Fato gerador do imposto só se aperfeiçoa com o registro da transmissão do bem imóvel no respectivo Cartório de Registro de Imóveis – Exegese dos artigos 156, inciso II, da Constituição Federal, 35 e 110 do Código Tributário Nacional e 1245 do Código Civil Repetição do indébito devida – Sentença mantida RECURSOS NÃO PROVIDOS, (TJSP, Apel. nº 1031574-74.2014.8.26.0053, Rel. Des. Fortes Muniz, 15ª Câmara de Direito Público, j. em 15.09.2016)”.

Resta, assim, àquele que se sentir prejudicado buscar o Poder Judiciário a fim de ver prevalecer seu Direito nos termos constitucionais e legais.