Alterações e propostas para Recuperação Judicial

A norma que regulamentava o procedimento de falências e concordatas até o ano de 2005, o Decreto-lei 7.661/45, tinha como objetivo principal tão somente disciplinar o procedimento para liquidação e extinção das empresas em crise. Não dispunha, aquela norma, de mecanismos hábeis para evitar a “quebra”. O ordenamento jurídico induzia ao sacrifício da empresa em crise em prol da satisfação do direito dos credores.

No entanto, com o advento da Lei 11.101/2005, a qual dispõe sobre os institutos da Recuperação Judicial e Falências e que substituiu o Decreto de 1945, houve verdadeira inovação quanto ao tratamento dado às sociedades empresárias em crise, pois, ao contrário da norma anterior, a nova lei adveio com o objetivo de sanear a dificuldade financeira do empresário e da sociedade empresária, preservando os negócios sociais e estimulando a atividade econômica, conforme expressamente previsto no artigo 47 da referida lei.

Esse intuito se alinha com os princípios que já haviam sido estabelecidos na Constituição Federal de 1988, os quais atribuem uma função social à Propriedade privada e buscam promover a atividade econômica.

No entanto, alguns pontos estabelecidos na nova lei não trouxeram o efeito desejado, ao menos de forma eficiente, pelo que estão sendo propostas alterações a fim de atribuir à norma a eficácia pretendida.

Trataremos, de forma não exaustiva, de alguns temas interessantes que estão sendo tratados nesses Projetos, os quais, caso aprovados, tornarão a Lei de Recuperação e Falências mais moderna e, principalmente, mais eficaz quanto aos fins aos quais se destina.

O primeiro ponto que entendemos importante destacar é a proposta de alteração justamente da ementa da Lei de Recuperação. A ementa de uma lei pode ser conceituada com sendo uma breve apresentação do conteúdo da norma a fim de se dar conhecimento imediato da matéria que será nela regulamentada.

A ementa atual da Lei de Recuperação se encontra assim redigida: “regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária”.

Um dos Projetos de Lei em trâmite, de nº 10.220/2018 e submetido aos Membros do Congresso em 10/05/2018, propõe diversas e significantes alterações na Lei de Recuperação. A primeira delas pretende a ampliação do seu escopo, passando sua ementa a indicar que a norma regulamentará “a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, e adota o regime de cooperação internacional e insolvência transnacional de que trata a lei modelo da Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional”.

Em consonância com a inovação tratada na ementa, o Projeto propõe a inclusão de um novo Capítulo, intitulado “VI-A”, para tratar da insolvência transfronteiriça ou transnacional.

Considerando que o Direito Brasileiro não dispõe de norma tratando de casos de insolvência transnacional, o Projeto pretende suprir essa falha, incorporando ao ordenamento jurídico pátrio mecanismos que permitam a cooperação entre juízos de diferentes países e, dessa forma, a proposta confere maior segurança e previsibilidade ao investidor estrangeiro, fomentando a entrada de novas empresas no mercado brasileiro.

Outro tema tratado no Projeto de Lei 10.220/2018 diz respeito ao período de suspensão das ações e execuções contra a empresa recuperanda e seus sócios.

A lei atual prevê que “a decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário” (art. 6º, caput) e que “em hipótese nenhuma excederá o prazo improrrogável de 180 (cento e oitenta) dias contado do deferimento do processamento da recuperação, restabelecendo-se, após o decurso do prazo, o direito dos credores de iniciar ou continuar suas ações e execuções, independentemente de pronunciamento judicial” (art. 6º, §4º).

Na prática, esse prazo de 180 dias de suspensão não é absolutamente respeitado e a regra, que pretendia ser absolutamente inflexível, tornou-se letra morta.

O Projeto propõe a antecipação do momento da suspensão das ações para a data do ajuizamento do pedido de recuperação, além de especificar o rol de ações contra o devedor que devem ser suspensas, ao determinar que “a decretação da falência ou o ajuizamento do pedido de recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções contra o devedor, além de qualquer forma de retenção, arresto, penhora ou constrição judicial ou extrajudicial contra o devedor, incluídas aquelas dos credores particulares do sócio solidário”.

A alteração visa fortalecer o posicionamento jurisprudencial e conferir previsibilidade às decisões judiciais, já que esses pontos eram definidos caso a caso, de acordo com o entendimento de cada Magistrado.

No que se refere aos requisitos para formular o pedido de recuperação, um deles é que o empresário e a sociedade empresária exerçam “regularmente suas atividades há mais de 2 (anos)”, conforme previsto no caput do art. 48 da LRF.

O exercício da atividade empresária é comprovado através de certidão expedida pela Junta Comercial. Nesse cenário, o produtor rural, pessoa física não submetida ao regime jurídico-empresarial, poderia ser beneficiado pela LRF? E ainda, o produtor rural que exerceu sua atividade por muito tempo, mas que somente há menos de dois anos formalizou seu registro perante a Junta Comercial, teria cumprido a exigência do art. 48 acima?

Fato é que a resposta para essas questões não está contemplada na lei, ao menos expressamente. E para sanar essa omissão, encontram-se em trâmite alguns Projetos de Lei objetivando favorecer a inclusão dos produtores rurais – pessoas físicas – na LRF.

O Projeto n° 6279/2013 propõe que o produtor rural que não optou pelo registro comercial cumpra a disposição contida no art. 48 da LRF com a comprovação do exercício de sua atividade através de simples declaração de imposto de renda.

Além disso, também está em tramitação o Projeto de Lei n° 7158/2017 que propõe a inclusão do §2° ao art. 48 da LRF, para que a pessoa jurídica ou física comprove o exercício de sua atividade “por meio da Declaração de Informações Econômico-fiscais da Pessoa Jurídica – DIPJ que tenha sido entregue tempestivamente, ou pela Carteira de Produtor Rural ou da inscrição na Secretaria da Fazenda da respectiva unidade da Federação, exigindo-se que o requerente exerça regularmente suas atividades há pelo menos 1 (um) ano.”

Mais concisamente, o Projeto de Lei 624/2018 sugere inclusão do parágrafo único ao art. 1º, a fim de esclarecer que “o disposto nesta lei aplica-se aos produtores rurais”.

Referidos Projetos, reconhecendo a importância da atividade agrária e rural para a economia brasileira, exercida em grande parte por agricultores autônomos, objetivam o acesso desses produtores ao benefício da LRF.

Outro ponto também é objeto de reforma: o conceito de “crédito existente”, descrito no art. 49 da Lei de Recuperação, utilizado para definir quais créditos estarão sujeitos à recuperação, o qual, num primeiro momento não se apresenta como um termo de complexa definição. As empresas têm pleno conhecimento de suas obrigações sociais e contratuais, vencidas e vincendas, de forma que os registros de créditos de empregados, fornecedores, fiscais etc., constantes de seus documentos contábeis são uma importante base para apuração dos “créditos existentes” na data do pedido de recuperação.

A lei em vigência especifica como créditos existentes as obrigações já contraídas, ainda que o prazo para cumprimento dessa obrigação não tenha vencido.

Ocorre que existem créditos sobre os quais pairam controvérsia acerca de sua existência. É o caso, por exemplo, dos créditos que estão sendo objeto de ações judiciais.

E com relação a esses créditos, quando poderiam ser considerados “existentes” para análise de sua submissão ao PRJ? Há mais de um entendimento doutrinário a respeito.

Para uma parte da doutrina, o crédito objeto de ação judicial é considerado existente no momento que a sentença condenatória é proferida, pois essa é a ocasião em que o crédito é reconhecido e validado pelo Poder Judiciário, estando, a partir de então, juridicamente constituído.

Outro entendimento é o de que o crédito é considerado existente quando do trânsito em julgado da decisão condenatória, ou seja, a partir do momento em que não houver mais a possibilidade de recurso contra a sentença.

Essas duas linhas de entendimento se baseiam numa questão formal: enquanto não houver a prolação da sentença, ou seu trânsito em julgado, o credor detém tão somente uma expectativa de direito, e não um crédito constituído. Mera expectativa de direito não seria um “crédito existente” para efeito do art. 49.

Seguindo outra linha, há o entendimento que analisa a questão sob o aspecto material: o crédito é constituído no momento da ocorrência do seu fato gerador, pois a sentença condenatória apenas reconhece o fato e declara o direito dele decorrente, com efeito retroativo. De acordo com esse entendimento, a sentença não constituiria o crédito, mas apenas o declararia; o crédito lhe seria pré-existente.

A solução para tal controvérsia não está claramente indicada na lei e o Projeto tenta elucidar a questão ao propor que “estão sujeitos à recuperação judicial os créditos cuja contrapartida tenha ocorrido até a data do pedido de recuperação e as obrigações existentes na data do pedido, ainda que não vencidos, mesmo ilíquidos” (art. 49, caput) e que “sujeitam-se à recuperação judicial os créditos, inclusive trabalhistas, decorrentes de contrapartidas ou fatos anteriores ao ajuizamento da recuperação judicial, mesmo que a sua constituição tenha ocorrido em data posterior” (art. 49, §7º).

Vale dizer, estariam sujeitos à recuperação todos os créditos cujo fato gerador tenha ocorrido até a data do pedido, independentemente de sua liquidez naquele momento e da data de sua “constituição”, ou seja, do reconhecimento do direito por sentença judicial.

Outro aspecto que está sendo objeto de alteração no âmbito da Recuperação Judicial diz respeito aos créditos tributários.

A legislação atual, em seu artigo 6°, §7°, dispõe que “as execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial, ressalvada a concessão de parcelamento nos termos do Código Tributário Nacional e da legislação ordinária específica”, do que resulta que o legislador excluiu o crédito tributário do regime da recuperação judicial.

Deste modo, pela lei em vigor, o devedor que formular o pedido de recuperação deve regularizar as dívidas tributárias no âmbito administrativo ou no bojo das execuções fiscais em andamento, o que pode gerar conflito em relação aos interesses dos demais credores e muitas vezes pode também prejudicar o plano de recuperação a ser arquitetado.

Deste modo, está em tramitação o Projeto de Lei n° 6229/2005 (apensado ao Projeto n° 10.222/2018) que modifica o §7°, do art. 6° da lei atual para “submeter todos os créditos tributários à recuperação judicial”, colocando-os no mesmo plano dos demais créditos existentes, ressalvadas as preferências legais e formas de pagamento.

Enfim, tem-se como inegáveis os benefícios da recuperação judicial para a economia brasileira e o exponencial aumento da utilização deste instituto nos últimos anos, desde o advento da Lei n° 11.101/2005.

Todavia, há de se ponderar que a legislação em vigor pode ser aprimorada e modernizada, conferindo maior efetividade e segurança jurídica para que o procedimento atinja a sua destinação precípua: a preservação da atividade econômica e dos direitos dos credores.

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