Câmara aprova distrato com multa de 50% do valor pago: projeto de lei segue agora para o Senado
A Câmara dos Deputados aprovou, no dia 6 de junho, o projeto de lei para regulamentar o distrato imobiliário, quando o comprador desiste da aquisição de um imóvel e devolve para a construtora. O texto, que seguirá para análise do Senado, tenta evitar disputas judiciais, estabelecendo uma taxa de 25% a 50% sobre o valor pago, e garantir segurança jurídica para as incorporadoras imobiliárias investirem. No caso de lotes de terra, a multa é muito maior, sobre o valor total do contrato, o que aumenta as chances de o comprador sair sem nada.
A proposta é uma demanda do setor de construção civil desde a crise econômica. Com a recessão, muitos desistiram dos imóveis e ingressaram na justiça para retomar os valores já pagos, o que causou prejuízos as empresas. O projeto determina regras para devolução dos pagamentos e uma taxa pela desistência.
Essa taxa será de 25% do valor pago pelo comprador, mas pode chegar a 50% caso o imóvel esteja sendo construído no regime de patrimônio de afetação (quando os ativos e passivos do projeto imobiliário são separados dos da incorporadora). Também será descontada a comissão pela corretagem e, se o imóvel já estava disponível para utilização ou ocupado pelo comprador, ele terá que pagar ainda os impostos reais sobre o bem, condomínio, encargos e aluguel equivalente.
Pelo projeto, a empresa terá 180 dias (seis meses) para restituir o dinheiro no regime normal. No caso do patrimônio de afetação, quem desistiu só receberá 30 dias após a conclusão da obra, com a liberação do habite-se. Se a construtora revender a unidade antes, o prazo cai para 30 dias depois do novo negócio.
Caso a pessoa consiga repassar o imóvel para outra e a incorporadora aceite a substituição, ela fica livre multa. As regras mais duras – e que não foram debatidas no plenário – são para desistência de compra de unidades em um loteamento imobiliário. Nesse caso a multa será maior, equivalente ao valor total do contrato e não do que já foi pago. Do que seria restituído caberá desconto de 10% do valor atualizado do contrato, acrescido de 1% ao mês pela fruição do imóvel, contados a partir da transmissão da posse, além da corretagem e impostos e condomínio.
Não há trava e, com os descontos, quem romper o contrato pode sair sem nada do que pagou. O percentual que ficará com as incorporadoras imobiliárias foi o único ponto de disputa na Câmara. Parte de oposição defendeu que deveria ficar em 10% do valor já pago para não penalizar quem perdeu o emprego e ficou sem condições de pagar. “Há 60 mil casos de distrato no Judiciário, que decide que a incorporadora pode reter entre 10% e 25%. Não é razoável fixarmos a multa no patamar de cima da jurisprudência”, afirmou o deputado Rubens Pereira Júnior (MA). A construtora, argumentou, não sairia prejudicada porque poderia vender de novo o imóvel.
Já o deputado Beto Mansur (MDB-SP) afirmou que as empresas precisam ser ressarcidas e pediam 100% do valor pago. “Isso inibe pessoas que entrem num negócio para especular e deem prejuízo a todos quando decidem sair”, disse.
A emenda de PT e PC do B foi rejeitada por 209 a 144. O projeto garante o direito de receber de volta dos pagamentos se a construção atrasar. A incorporadora poderá adiar a entrega da obra em até 180 dias (seis meses). Se estourar esse prazo, o comprador pode romper o contrato e receberá 100% do que pagou de volta, além de multa, em até 60 dias.
O valor da multa será estabelecido no contrato, mas isso pode virar um problema para a empresa porque o Judiciário tem entendido que deve ser isonômica: se é de 25% para o comprador, é de 25% para a incorporadora. Se o comprador quiser continuar com o imóvel apesar do atraso, ele receberá indenização de 1% do valor pago à construtora para cada mês adiado.
O texto cria ainda um prazo de sete dias de arrependimento da compra quando ocorrer fora da sede da incorporadora – num estande de vendas, por exemplo.
Para o setor de incorporação, o projeto foi o possível, embora não tenha sido o ideal. “Estou feliz pelo texto ter sido aprovado. O melhor acordo é aquele que deixa todo mundo levemente insatisfeito”, afirma o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), José Carlos Martins.
Nos últimos anos, a questão foi considerada o maior desafio para o setor e uma das principais razões para a piora dos resultados das incorporadoras. Cada vez que um imóvel é devolvido, a receita correspondente à venda é revertida. Na maior parte das vezes, a revenda da unidade é feita com preço inferior ao que o imóvel tinha sido comercializado inicialmente, o que significa pressão das margens.
Para o fundador da Tecnisa e vice-presidente do conselho de administração, Meyer Nigri, o texto aprovado é “bom, mas está longe de ser o ideal”. “No mundo todo, o comprador perde tudo em caso de distrato”, comparou. O presidente do Sindicato das Indústrias de Construção Civil do Estado de São Paulo (Sinduscon-SP), José Romeu Ferraz Neto, ressaltou que “não é o que o setor queria”. “Mas havia uma segurança jurídica enorme e agora há uma regra”, afirmou.
O presidente da Associação Brasileira das Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), Luiz Antônio França, concordou. “O Brasil caminha para amadurecer e chegar onde os países evoluídos estão, e a retenção de recursos, em caso de distratos, é muito maior”, afirmou. Com a aprovação, os clientes vão pensar melhor para tomar a decisão de comprar o imóvel, destacou o empresário Carlos Terepins, fundador da Nortis Incorporadora e Construtora. “A medida é benéfica para o setor e tende a inibir os distratos.”
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