Locação e Pandemia: Suspensão ou Negociação?
Ao tratarmos sobre os impactos da pandemia de coronavírus no Brasil, faz-se necessário entender a aplicação das teorias da imprevisão e da onerosidade excessiva, no que diz respeito aos negócios jurídicos.
Neste sentido, cumpre frisar que tais teorias se aplicam aos contratos de locação, sejam eles comerciais ou residenciais.
Isso porque os contratos de locação são negócios jurídicos e geram obrigações, logo, estão dentro do escopo de aplicação de ambas as teorias. No entanto, ao examinarmos os pressupostos que configuram o suporte fático de aplicação tanto da teoria da imprevisão, quanto da teoria da onerosidade excessiva, concluímos que a situação econômica do locatário, com raríssimas exceções, não altera o equilíbrio contratual.
Para que seja autorizada a revisão do negócio por aplicação da teoria da imprevisão, é preciso que a alteração imprevisível das circunstâncias fáticas seja tal que cause “desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução”. Ou seja: o valor da locação precisa ter sido alterado pelas circunstâncias imprevisíveis. Em outras palavras, aquele imóvel não justifica mais o valor pactuado a título de aluguel, pois a crise causou desvalorização.
Todavia, o que vemos na prática é que o impacto da crise foi sobre a situação econômica do locatário.
Como dito, é possível a resolução do contrato por onerosidade excessiva ou a sua revisão, quando, em razão da alteração imprevisível das circunstâncias fáticas, “a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra”.
Ocorre que, na hipótese, não foram alteradas as circunstâncias internas do contrato, mas as circunstâncias particulares de um dos sujeitos, o locatário.
Consequentemente, ainda que se pudesse suscitar que o pagamento dos aluguéis se tornou excessivamente oneroso, o que não é verdadeiro sob a ótica da legislação civil, vez que as prestações contratuais não se desequilibraram, não podendo alegar extrema vantagem para o locador, justamente porque não foram alteradas as circunstâncias internas do contrato.
Logo, concluo que não se poderia discutir revisão ou resolução de contratos de locação por aplicação das teorias da imprevisão ou da onerosidade excessiva, pelo fato de o locatário ter sofrido impacto negativo da pandemia do coronavírus.
Não obstante, é evidente que, em grande parte dos casos, o impacto econômico negativo da pandemia sofrido pelo locatário acarretará o inadimplemento da obrigação de pagar os aluguéis.
Por esse motivo, recomenda-se a negociação entre locador e locatário, para fins de alteração, ainda que temporária, do valor do aluguel, por meio da ferramenta jurídica obrigacional da novação objetiva (art. 360, inciso I, CC).
Ressalto que a Lei do Inquilinato admite expressamente a novação do valor do aluguel nos contratos de locação.
Consiste a novação objetiva em uma nova obrigação, que será negociada entre os mesmos credor e devedor, que devem entrar em acordo sobre extinguir uma obrigação anterior e substituí-la por uma nova, com objeto diverso, sem necessidade de intervenção do juiz.
Aqui, especificamente, trata-se do acordo entre locador e locatário para, ainda que por certo prazo, enquanto perdurar a pandemia, substituir o valor originalmente ajustado de aluguel por um novo valor, que o locatário possa pagar nas circunstâncias atuais.
Com a novação, provavelmente, será possível evitar o inadimplemento, conservando-se o negócio jurídico.
Por fim, lembre-se: a novação se dá no campo da autonomia privada, depende de acordo entre os sujeitos do contrato.
Nessa toada, diverge muito da revisão ou resolução por aplicação das teorias da imprevisão e da onerosidade excessiva, que ocorrem no campo da interferência do Estado nas relações privadas.
Em outras palavras: a revisão ou a resolução do contrato por aplicação das teorias da imprevisão e da onerosidade excessiva podem ser pleiteadas em juízo, cabendo ao juiz decidir, a novação, não.
No entanto, estou certo de que, na maior parte dos casos, haverá espaço para a negociação, justamente porque a outra alternativa certamente é muito pior para ambas as partes.
A possibilidade de deixar de pagar o aluguel entrou em pauta por meio de um projeto de lei que visava alterar temporariamente dispositivos do direito privado, com o objetivo de amenizar reflexos jurídicos da pandemia. No entanto, repercutiu mal no Senado e foi tirado de pauta.
O projeto transferiria o problema de locatários para locadores, que muitas vezes dependem da renda dos aluguéis como complemento à aposentadoria, além de se acumular o valor do aluguel após a pandemia, que poderia novamente complicar a situação dos locatários.
Por isso, a alternativa mais recomendada é que o locatário renegocie direto com o locador, desde que mostre os documentos que comprovem a relação direta entre a pandemia do coronavírus e a dificuldade financeira de arcar com as parcelas mensais do aluguel. Medida que se faz necessária, haja vista muitos experimentam lucros ainda maiores nestes tempos de crise.
O acordo precisa ser estabelecido por um meio formal, pois isso dará segurança às duas partes. Ajuizar ação para pedir isenção ou descontos no aluguel deve ser a última opção, e caso chegue a este ponto, faz-se necessária a apresentação de documentos que comprovem a diminuição ou a inexistência de rendimentos, bem como, a proposição de alternativas para quitar o que se deve ao locador, demonstrando boa-fé e viabilidade para composição amigável da obrigação.
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